segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Sarau - "Poemus" - Rio Preto (MG) Parapeúna, Valença (RJ)

No dia 05 de dezembro de 2013, recitei estes dois textos no Sarau “Poemus”




Quando você acreditar em mim, vou me jogar aos seus pés. Vou rezar um desses crucifixos inteiros, bolinha por bolinha, machucando os dedos. Vou pedir perdão pelo que não fiz. Vou prometer o que não devo. Vou declarar imposto de renda. Cozinhar, lavar, passar, chupar e lhe engolir. Tirar o pó de cima desse espelho onde caímos de cabeça. Quando você acreditar em mim, vai ser uma loucura. Vou cortar os pulsos, sair correndo, pular do prédio. Na alegria e na tristeza. Na dor de cotovelo e na doença venérea. Você vai acreditar em mim como nunca acreditou em outra coisa inexistente. Então eu vou ser seu deus, vou abrir a porta do meu reino dos céus e pedir umas provas de amor de vez em quando, só pra encher o saco. 



O torturador
difere dos outros
por uma patologia singular
— ser imprevisível
vai da infantilidade total
à frieza absoluta.

Como vivem recebendo
elogios e medalhas
como vivem subindo de posto,
pouco se importam pelos outros.
Obter confissões é uma arte
o que vale são os altos propósitos
o fim se justifica,
mesmo pelos meios mais impróprios.

Além de tudo o torturador,
agente impessoal que cumpre ordens superiores
no cumprimento de suas funções inferiores,
não está impedido de ser um pai extremoso
de ter certos rasgos
e em alguns momentos ser até generoso.

Além disso acredita que é macho, nacionalista,
que a tortura e a violência
são recursos necessários
para a preservação de certos valores
e se no fundo ele é um mercenário
sabe disfarçar bem isso
quando ladra.

Não se suja de sangue
não macera nem marca,
(a não ser em casos excepcionais)
o corpo de suas vítimas,
trabalha em ambientes assépticos
com distanciamento crítico
— não é um açougueiro, é um técnico — 
sendo fácil racionalizar
que apenas põe a serviço da pátria
da civilização e da família
uma sofisticada tecnologia da dor
que teria de qualquer maneira
de ser utilizada contra alguém
para o bem de todos.



In: ALVERGA, Alex Polari de. Inventário de cicatrizes. Apres. Carlos Henrique de Escobar. 3.ed. São Paulo: Teatro Ruth Escobar; Rio de Janeiro: Comitê Brasileiro pela Anistia, s.d





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